O consumo de lácteos abriga um grande conflito de gerações que precisamos entender.
Não foi apenas a música sertaneja que mudou! Muitas coisas mudaram e com o leite não foi diferente, e precisamos entender esse fenômeno. É curioso pensar que em 2022 o brasileiro médio sabe muito pouco sobre o leite que consome. Muitos não fazem ideia de que é produzido por um animal.
Parece estranho para quem está inserido na indústria láctea, mas essa relação entre o leite e a vaca não é tão óbvia quando olhamos para esses gráficos abaixo e pensamos em alguns pontos.
Gráfico 1- Evolução da população rural e urbana no Brasil.

O primeiro é que, se você leitor, nasceu nos anos 70 suas férias muito provavelmente eram na fazenda ou você tinha alguém da família que morava em uma, já que quase 50% da população brasileira vivia no campo ainda. Ou seja, produção animal e vegetal faziam parte da rotina e influenciando a cultura daquela época e que hoje, com razão, deve ocupar um lugar de muita nostalgia na sua mente.
Ver animais nascendo, parindo, morrendo ou mesmo saber que tudo sobre a mesa veio de uma fazenda era algo completamente normal e lógico. Porém, se você nasceu nos anos 80-90 essa presença do campo na vida das famílias já era menor e a partir de 2000 essa ligação se torna cada vez mais fragilizada.
Segundo, olhe para o gráfico 2 e vamos pensar. Essa geração anos 70 está hoje com seus 50 anos e representa muito pouco do total, não chegando a 20% da população. Em contrapartida, temos quase 50% da população com menos de 30 anos que não viveu nem teve uma ligação com o campo tão profunda. O que isso nos diz? Que metade do nosso mercado está totalmente exposto ao que a mídia conta sobre o agro.
É a geração que conta com pais e avós, mas também com a opinião dos tiktokers e youtubers como influenciadores de suas opiniões.
Gráfico 2- IBGE, Pesquisa Nacional por amostra de domicílios continua (PNAD Continua) 2016.
Alguns dados que valeriam uma próxima publicação: O brasileiro gasta em média 4 horas por dia em redes sociais e 92% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos usam o celular para acessar a internet com frequência.
Visto isso, não adianta reagirmos com um saudosismo cheio de lamentos, mas cabe a nós repensarmos como estamos levando nossa história à uma geração que mal sabe que vacas existem. Que, acredite, sequer viram uma vaca ao vivo.
O mercado do leite de maneira geral (obviamente não são todos) se vê parado no tempo, mantendo o mesmo diálogo com o púbico há décadas, ignorando o abismo cultural entre gerações. Quando falamos de comportamento do consumidor precisamos assumir que a cultura e contexto socioeconômico são peças cruciais para entender as escolhas na gôndola.
Então como entramos nessas cabecinhas cheias de novas ideias? Como fazer isso na prática? Como mostramos que fazemos parte de uma indústria que preza por conforto animal? Entramos pelas portas de entrada: olhos e ouvidos!
Tudo que o consumidor vê e ouve é oportunidade para conquistarmos nosso espaço. Desde a caixinha, rótulos, redes sociais, propagandas, uso de influencers, absolutamente todos os pontos de contato são oportunidades de trabalhar algo muito negligenciado por nossa indústria: a educação do consumidor.
Outros segmentos são mestres nisso, ensinando e apoiando o cliente em como usar o produto ou em trazer informações relevantes para quem consome de forma leve e interessante. Se seu laticínio tem poucos pontos de contato considere criar mais.
Nós na maioria das vezes achamos que o pai de família (pense que esse individuo pode ter nascido em 1998, ter 24 anos e 2 filhos!) vai comprar leite considerando os aminoácidos essenciais para o crescimento saudável de seus dois filhos, proteína de alto valor e que não precisa ter nenhum ressentimento já que as vacas são muitíssimo bem tratadas, felizes, saudáveis e que o leite não vem nem com formol ou antibióticos. Não! Ele não sabe de absolutamente nada disso e ele apenas troca o leite por qualquer outro produto pensando que está fazendo o melhor baseado na pouca informação que tem.
Daí você pensa “Ah, mas esse público que se preocupa com bem-estar animal ou nutrientes é muito elitizado e, portanto, trata-se de um nicho de mercado”. Cuidado com essa segmentação, porque o consumidor médio talvez não seja tão guiado por valores assim na compra, mas se em um programa de TV de massa diz que leite é apenas para bezerro e que ninguém precisa de leite, talvez ele não lembre bem dos argumentos do programa da Tv, talvez ele nunca levante uma bandeira ativista, mas vai chegar à prateleira no mercado e ao invés de uma caixa fechada de leite ele pode levar apenas 3 caixinhas e complementar com outras bebidas que no entendimento que leite não é tão indispensável assim.
A meu ver a presença dos “leites” vegetais não deve ser uma preocupação com o nicho que o consome, mas uma sinalização fortíssima que o consumidor pode ser facilmente ludibriado porque não sabe absolutamente nada sobre o produto referência (leite) e, portanto quando um concorrente aparece oferecendo absolutamente nada de proteína, gordura, aminoácidos ou sabor, ele simplesmente aceita e as vezes não experimenta porque é caro, mas muda de bebida com muito mais facilidade.
Ou seja, isso nos sinaliza que nosso consumidor está completamente vulnerável por sua falta de informação, já que nós como indústria, assumimos que nosso consumidor sabe que o leite vem da vaca.
Concluindo, gostaria de deixar a reflexão de que apesar de sermos detentores de um produto tão tradicional e nobre muitas vezes nos acomodamos e não nos reinventamos conforme a sociedade evolui.
Temos um grande legado que nos trouxe até aqui, mas precisamos nos modernizar como cadeia e nos adequarmos às novas formas de conversar ocupando o lugar de produto referência e de alto valor agregado e não de comodity.
Fico por aqui na esperança de que essa reflexão seja profunda e produtiva! Deixe aqui nos comentários se faz sentido e envie aos amigos!
Forte abraço!